segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

LÍNGUA PORTUGUESA

DEFESA DA LÍNGUA PORTUGUESA OU ANTIAMERICANISMO?

Por Luiz Cláudio Guimarães

Reacendeu-se no cenário nacional o debate sobre as estratégias de defesa da língua portuguesa contra as invasões quase sempre bem-sucedidas dos estrangeirismos. O mote foi dado com a aprovação, no último dia 13/12, pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania do Senado Federal (CCJ) do Substitutivo do Projeto de Lei 1.676/99-D nominalmente vinculado ao deputado Aldo Rebelo (PCdoB/SP), cujo maior mérito consistiu em assestar profundas alterações à proposta originária da Câmara dos Deputados, com base nas opiniões de especialistas do idioma colhidas em audiência pública para lastrear a decisão daquela Câmara Alta.
De modo sintético, o substitutivo sob referência, ainda que se mantendo fiel à finalidade de reconhecer a língua portuguesa como bem do patrimônio cultural brasileiro que concorre para a soberania da nação brasileira (art. 1°), deu nova formatação à proposição primitiva, estabelecendo o rol das incumbências do Poder Público no intuito de promover, difundir e valorizar a língua portuguesa (art. 2°); definindo as situações de obrigatoriedade no seu uso, bem como as condições e as limitações de uso de estrangeirismos (arts. 3°, 4° e 5°) etc.
Conforme vimos testemunhando, tanto as reações que o precederam quanto aquelas que se seguiram a esse placet da Comissão foram todas as mais diversas e enriquecedoras, ainda que, em sua grossa maioria, tenham falhado em não focar com precisão o núcleo discursivo do projeto e algumas tenham até mesmo se resvalado para o campo do disparate ou simplesmente decolado em direção ao delírio.

Em que pese o colorido rico dessa discussão, há de se ponderar que todo debate só é bom na medida em que se desenvolve de forma produtiva e objetiva, razão por que faz merecer o tema por sua importância, riqueza e complexidade uma delimitação que o redirecione e circunscreva aos termos da proposição legislativa em pauta. E, para isso, a fim de que também se amenize a apreensão artificialmente criada por alguns articulistas, nada mais recomendável como caminho inicial o da (re)leitura completa do texto em questão, a partir do que se podem efetivamente colher o sentido e o alcance do projeto de lei aludido.

Nesta via mais estreita, segundo o que consta do texto do substitutivo, o projeto visa primordialmente forçar a utilização da língua portuguesa nos documentos emitidos pela administração pública, neles vertendo na forma vernacular o equivalente às expressões estrangeiras correntes, objetivo que não deve ser confundido com o propósito ainda mais específico do procurador federal Matheus Baraldi de vir a ingressar com uma ação civil pública para disciplinar o uso de palavras estrangeiras no comércio brasileiro.

No caso do projeto de lei, portanto, a sua atuação futura nos moldes da sua formulação nuclear, ainda que não se prenda apenas a esse limite, como se verá adiante, viria a incidir sobre a administração pública, protegendo a transparência dos seus atos e negócios, ao passo que, no último caso, a tutela jurídica a ser eventualmente obtida contemplaria o cidadão brasileiro revestido da condição de consumidor.

Enfim, ainda que, na aparência, as duas intencionalidades supra enunciadas possam ser integradas no contexto amplo de um movimento de defesa do vernáculo, os âmbitos de incidências dos comandos jurídicos que deles adviriam seriam bem distintos, com resultados também diferenciados.

Nesses dois casos, não há reparos a fazer porque ambos envolvem a realização de fins públicos legítimos: no primeiro, a idéia é eliminar certos hermetismos na produção de documentos, obstáculos à interpretação dos conteúdos destes últimos por gestores e órgãos de controle da administração pública a quem destinados, ao passo que, no outro, o fim perseguido será evitar a exposição dos consumidores a constrangimentos.

Felizmente, como se vê, não se colheu a íntegra do espírito fundamentalista do projeto do deputado Aldo Rebelo cuja fórmula inicial previa que “Todo e qualquer uso de palavra ou expressão em língua estrangeira, ressalvados os casos excepcionados nesta lei e na sua regulamentação, será considerado lesivo ao patrimônio cultural brasileiro, punível na forma da lei. (...)”.
Contemporizador, o Senado Federal deu lição à Câmara, ao propugnar uma lei mais branda que trata dos “empréstimos lingüísticos” com verdadeiro senso de realidade: enquanto o projeto Rebelo elege os anglicismos como alvo (v.g.: database, hard dysk holding, recall, .franchise.,coffeebreak, self-service etc), fazendo tábula rasa do motivo de seu uso freqüente em nosso meio, qual seja a avassaladora predominância tecnológica norte-americana, o substitutivo aprovado, conforme voto do Relator, “enseja que a língua continue viva, em evolução, como é de desejar em resposta às mudanças sociais e culturais do nosso tempo, mas enseja também que se tenha no País uma relação mais inteligente, sobretudo crítica, em relação aos estrangeirismos".
Em contrapartida, o outro ponto que merece destaque no substitutivo em apreço é aquele que tange aos dispositivos que visam obrigar “os meios de comunicação de massa impressos a utilizarem apenas a versão aportuguesada de expressões técnicas, contidas em glossários publicados por comissões específicas". Tem-se, pois, que os novos destinatários da futura norma serão as empresas de comunicação.
Sobre este acréscimo, devemos ter em conta que ele aparenta não discrepar muito da orientação que já consta do Manual de Redação da Folha de São Paulo, hoje tido como referência para quase todos os órgãos de comunicação de massa, cuja passagem do tópico sobre “Palavras estrangeiras” merece conferir-se: “1 – A palavra estrangeira, na sua forma original, só deverá ser usada quando for absolutamente indispensável. O excesso de termos de outra língua torna o texto pretensioso e pedante. E não se esqueça de explicar sempre, entre parênteses, o significado dos estrangeirismos menos conhecidos.(...)”.

Adiante, o mesmo Manual recomenda que o jornalista deva recorrer ao termo estrangeiro, quando este não tiver correspondente em português, ou se este for pouco usado, advertindo, no momento seguinte, para que não se empregue no idioma original palavra que já esteja aportuguesada (v.g.: uísque e não whisky). Irretocável!

Acolhida sem qualquer reserva, a orientação insuspeita, apenas recentemente formalizada no Manual, tem força e estrutura de norma costumeira desde que embasada numa experiência construída ao longo de mais de 130 anos sob a convicção da necessidade de sua generalizada aplicação, a qual vem se dando nos dias atuais sem qualquer afronta ao texto constitucional, proceder que não pode jamais ser considerado como lesivo ao patrimônio cultural brasileiro.

Portanto, é necessário que se façam ressalvas aos dispositivos da proposição legislativa em apreço os quais, em excesso, impõem com exclusividade a forma portuguesa ("apenas a versão aportuguesada") aos veículos de comunicação, prevendo sanções para o seu eventual descumprimento, por neles vislumbrarmos uma nítida inconstitucionalidade, preocupação a que se acresce a perspectiva de grandes dificuldades práticas que sobreviriam às redações dos jornais para a integral observância da futura norma que, de certo modo, já se prenuncia como natimorta.

Em conclusão, a língua portuguesa, a exemplo de qualquer outra língua culta moderna, segundo uma perspectiva dinâmica ou diacrônica (Parole) deve continuar sendo nutrida das novidades conduzidas pelos empréstimos (neologismos) de outras fontes idiomáticas, especialmente o inglês, por razões óbvias. E, ainda que não se deva permitir o agravamento dessa contribuição ao nível de promiscuidade, mantendo-o em grau sincrônico de estabilização, o idioma formal (Langue) deve evidentemente ser normatizado, porém com moderação e maturidade para que as cautelas legítimas empreendidas em sua defesa não venham a desfigurá-lo em palco de uma falsa e oportunista representação de antiamericanismo ou de qualquer outro tipo de paranóia xenofóbica.

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